segunda-feira, 23 de maio de 2011

Sentado no Divã.


Bem Clóvis, vou começar do começo. Eu sei que é o obvio, não importune logo de cara. Não, eu não segui nenhuma referencia amistosa e nem nenhum guia de plano de saúde para encontrar seu nome e estar aqui agora. Acredito que foi por causa da noite de ontem. Sabe, ando lutando todos os dias contra uma das minhas melhores amigas, a minha inteligência. Ao deitar-me ela não para de falar, não deixa de criar hipóteses e circunstancias, vistoria geral do dia e de fatos do passado. Isso me cansa. Ontem, em meio ao intervalo da luta, fui ao lavabo. Uma luz estranha e brilhante iluminava a persiana, abro-a de imediato. Naquele ângulo, naquele único espaço de minha casa, lá estava ela, a lua cheia. Retorno a cama pensando e revendo: “– Essa noite a lua e o sol estão em lados opostos da Terra. Conseguimos ver a nítida diferença entre as marés. Se esses nobres astros conseguem viver separados, por que eu não conseguiria segurar as barras da vida?” Foi em meio a essa alucinação noturna que te encontrei. Confesso que estou meio embaraçoso por estar aqui pela primeira vez, pelo escritório. Ah, tu queres saber um pouco da minha vida? Certo, tu vais tornastes milionário com todas as seções que eu tenho que fazer para contar um pouco de tudo e analisar, coisa que eu não deixo de fazer nunca. Vamos combinar o seguinte: a cada relato de fatos da semana eu conto análises de tempo remoto, acho que fica mais interativo. Não, eu não sou simplista e nem mesquinho Clóvis. Só também não quero enjoar disso aqui como enjôo fácil das coisas. Eu passei uma semana em casa. Realmente em casa, não me pergunte se foi castigo dos pais por eu sempre zelar pela minha liberdade, mas de uma alguma forma foi um certo tipo de reclusão, como em mosteiros. Eu não tinha muito que fazer, entreguei-me aos livros. A cada hora passada era como se o minuto anterior fosse maior que o minuto seguinte. Eu esperei por telefonemas ou mensagens de reconforto. Elas não aconteceram. O egoísmo agora definitivamente não me pertence mais. Não estou com paciência para prepotência, arrogância ou mesquinharias. Cansei também de fazer tudo certo, sabe Clóvis? Em certas horas do meu dia eu tinha que agir como um ator e aturar certas coisas, vou deixar esse meu trabalho para quando começar a trabalhar. Também descobri que às vezes temos que alimentar a vela do passado. Assim que pude falar com menos dor, o meu celular não parava nem para respirar. Amigos que hoje encontram-se longe do meu ciclo social, que já está quase na unidade zero. De uma certa forma foi bom ouvi-los de novo e sentir que a saudade quando a despertamos pode fazer bem para ambas as partes. Afastei-me de pessoas, condutas e certos valores juvenis. Hoje tive um almoço em família. Eu não me sentia tão realizado e animado por ver quem realmente gosta de mim ao meu lado, comendo uma comida que sabiam que eu gostava. Nenhuma noite em barzinho pode nocautear isso. Eu entrei de cabeça, nessa uma semana, quando Liz tentou fazer voto de silencio, eu também não consegui, mas tentei. Além do mais, semana que vem eu estarei no Rio fazendo uma prova que eu tanto esperava e que só depende de uma pessoa: de mim próprio. Está sendo difícil olhar para o lado e não ver pessoas que antes eram necessárias e não cometer atos que antes eram quase obrigatórios. A vida deve ser assim mesmo, né Clovis? Se a Terra gira sempre, o nosso cotidiano também tem que mudar. Lendo “Mil dias em Veneza” em minha cama quente e vazia fico indagando-me sobre a próxima mudança. Esse deve ser o tempero especial que falta em muitos pratos: o gostinho de não saber o que vai acontecer na cena do próximo capítulo. A minha sorte é que eu sempre gostei de novelas, Clóvis.        

  

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