domingo, 10 de julho de 2011

A vida de um Augusto (2)

Capítulo II

   O que você mais se lembra de sua infância? 
   Um parque divertido? Manhãs acordando tarde e chegando atrasado para brincar na rua simplesmente porque ficou em casa assistindo Três Espiãs Demais ou Bob Esponja? Ou da escola que tinha como quintal o mar de uma cidade litorânea? 
   Eu vivi os meus primeiros cinco anos sabendo que eu não tinha uma família como às outras. Comecei morando com os meus avôs paternos e de repente me vi na casa de minha bisavó. Quando se é pequeno você se agarra em alguma esperança, eu sempre imaginava que aquilo que estava faltando iria ser completado um dia. 
   A única lembrança que tenho de meu pai foi quando demos comida aos nossos canários azuis que ficavam no quintal da antiga casa. Depois eu só conseguia me enxergar sozinho, naquele mesmo quintal, comendo a parte recheada do biscoito e tacando a metade ausente de chocolate no lixo. 
   Não se tinha muito que fazer quando eu ainda morava naquela antiga casa. Parecia que a minha única obrigação era lembrar-se de colocar a canequinha colorida dentro da mochila para hora do recreio na escolinha do dia seguinte. Não sabia o que era ausência e muito menos o significado de saudade. Não via minha mãe durante o dia e a noite, quando não estava trabalhando, estava se divertindo em algum lugar da cidade. Minha bisavó que hoje está ausente de mim era a minha maior devoção. 
   Como ela pôde agüentar todas as minhas perguntas? Como ela conseguia tirar tempo para brincarmos toda noite de jogo da memória ou ler alguma história para mim? Como ela conseguia suportar ficar acordada mesmo sabendo que teria que madrugar no outro dia apenas para ficar assistindo escolinha do professor Raimundo comigo ao seu colo? 
   Bons tempos. Lembro até hoje que ao deitarmos eu não gostava da cama de casal, eu preferia uma bicama: eu dormindo em cima e ela embaixo. A mão de minha bisa tinha que ficar segurando a minha até eu pegar em sono profundo, senão eu despertava, chorando como qualquer criança que ainda tinha o seu direito de chorar. 
   Há amores que não conseguimos explicar. O amor de minha bisa por mim fazia parte de algum tipo de amor que além de gostar de cuidar, tinha toda a paciência do mundo mesmo quando eu estava errado e merecia um castigo. Eu nunca a vi chorar. Mulher de ferro era essa minha heroína. 
   Quando completei cinco anos, minha mãe conheceu a pessoa que dizia ela ser o amor de sua vida. Ainda não entendo como uma jovem que dizia já ter sofrido tanto achar o maior dos vilões de um filme de terror. Pelo menos para mim, ele se tornaria o meu vilão nos próximos sete anos de minha vida e eu nem sabia disso. 
   Sendo criança eu sentia medo. Chorei para não largar a minha bisa e meus avós paternos. Senti mais medo quando soube que não haveria lei que me protegesse daquilo e quando vi, estava chorando ainda mais indo embora da minha cidade natal e deixando todos que eu amava e que me amavam com lágrimas nos olhos pela minha partida.

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